quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Sequestro

Foi naquele chill out que Odair, muito seguro de si, exclamou:
- Sequestro é pra quem tem status!
Num tom de deboche como aquelas conversas pós-goró, iniciou-se um coro de gargalhada. Mas a verdade é que Odair realmente acreditava nisso, acreditara sempre.
- Claro. Alguém conhece alguém, ou de alguém conhecido que, sendo sem dinheiro, foi sequestrado?
Ouve reflexão. Mas Ricardo, que conhecia bem o perfil aristocrata do namorado, sabia que não se tratava de mais uma conversa a toa de uma manhã de domingo.
- De fato!
Odair era e sempre fora bem de vida. O pai era juiz, a mãe pintava e fazia exposições de suas obras esporadicamente. A mais das vezes só compareciam os mais chegados, que compravam os quadros em nome da amizade, mas não o penduravam nunca.
Fora a vez que fora expulso do colégio por má-conduta, não houve na vida de Odair nenhum momento de grande dificuldade ou humilhação. Nem mesmo quando, por iniciativa própria, resolveu contar pra família, em um encontro dominical, que era gay. A reação de todos não foi inesperada, muito pelo contrário, seu pai apenas exclamou:
- Contando que não seja o meu bolso que arda...
Era só o que seu pai pedia sempre: que preservasse o status, pois “com ele paga-se o respeito de quem quer que o valha”.
Quando Odair conheceu Ricardo, a família logo aprovou. Moço bem-apanhado, alto e garboso. O que lhe faltava em dinheiro, sobrava em boa-educação. Era pobre, o rapaz, mas fingia bem! Sempre soube o que quis: Chegar ao High-Society sem passar ganhar o título de “Emergente”. Odair sabia de tudo isso e o defendia:
- Eu pago pela pobreza dele.
O fato é que toda essa facilidade na vida de Odair sempre fora monótona. Isso fazia com que ele buscasse mais aventura. Tentou esqui, pára-quedas, certa vez, no anonimato, pagou para ser o homem bala de um circo que passava pela cidade. Mas nada o excitava o bastante quanto a ideia de um sequestro. Sequestro de verdade, com polícia, telefonema grampeado, ameaça de morte e o caralho.
Foi no seu aniversário. Ricardo chegou na casa de Odair com um pacote debaixo do braço, um presente que todos sabiam ser do tamanho da sua capacidade. Apesar dessa constatação não foi isso que chamava mais a atenção dos presentes na casa, e sim da sua futura sogra, aos prantos holywoodianos. Todos estavam tensos na casa... O cunhado de Odair olhou Ricardo de baixo até em cima e logo abraçou a esposa. E por fim o pai deu a notícia:
- Odair foi sequestrado.
A notícia foi sabida pela família através de um telefonema anônimo:
- Quinhentas mil pratas ou a bixinha morre!
O pai de Odair ficou confuso e instintivamente pôs em xeque o dinheiro e o filho. Estava muito evidente a sua preocupação com Odair. Muitas vezes, andando de um lado para o outro pela sala, todos viam a preocupação do velho. A relação de pai e filho com Odair sempre fora distante, mas eles tiveram os seus momentos. Muitas das viagens que Odair fez às custas do pai, foram feitas com ele mesmo enquanto criança. Nessa busca da intimidade com o filho, só a imagem da infância lhe vinha à mente. Via o filho ainda na sua primeira bicicleta, nos corais da escola, nas peças de teatro e nas feiras de ciências. Tentou aproximar a memória de lembranças mais recentes e sempre que chegava na adolescência, se pegava fazendo contas para saber quanto o sequestrador realmente merecia.
Entre uma lembrança e outra o telefone tocava, e a cada telefonema era uma negociação diferente, e o pai de Odair foi tomando cada vez mais a frente das negociações e chegou um momento que as lembranças do filho foram ficando cada vez mais apagadas ao ponto de ele acreditar que poderia ter o filho de volta por nenhum tostão furado.
Por outro lado, os sequestradores foram perdendo as estribeiras e a situação ficou tensa. Os sequestradores passaram a ameaçar a vida de Odair e o fizeram ouvir os berros do garoto quando lhe cortaram a metade de cima da orelha. Odair implorou para que os pagasse pois não suportava mais tanta dor. Já a mãe insistiu para que os pagasse pois não concebia a ideia de ter um filho, não sem orelha, mas pior: sem a metade dela. Ricardo, o namorado ficava chocado com a relação entre pais e filhos daquela família. Era inconcebível que um pai, que tem tanto dinheiro quanto necessário para seu namorado ter 7 orelhas novas, não pudesse pagar para que o tivesse vivo, ainda que sem orelha alguma.
No dia seguinte o pai recebeu dos sequestradores a metade de cima da orelha direita em um saco plástico. Na mesma hora o pai reconheceu a orelha como não sendo a do filho, pois se tratava de uma orelha perfeita, intacta; e não como as orelhas das pessoas que utilizam das agulhas para colocar seus adereços. Então anunciou:
- Esta história é uma farsa. Não terão um só centavo!
A mãe de Odair quase desmaiou. E Ricardo, entendendo o jogo do velho, o chamou de canto e lhe ameaçou com veemência:
- Ou me paga as quinhentas mi pratas ou mando matar o seu filho.
Então o velho entendeu tudo e retrucou:
- Então você está com ele neste jogo sujo. Pois então eu lhe digo: Dou-lhe quinhentas mil pratas se atirares tu no meu filho.
- Eu atiro! – Respondeu Ricardo.

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Se joga, bee...